Só quem tem filhos conhece bem a dor e alegria de ser mãe. O ser humano vem ao mundo sem manual de instruções e ninguém, mesmo lendo (muito!) e experienciando diversas situações, só realmente sabe o que é ser mãe quando – de fato – acontece. E ainda assim, um filho nunca é igual ao outro.
Existem aqueles que “vêm” com a calma e tranquilidade de um monge tibetano (pelo menos na infância), enquanto outros parecem vir, bom, um pouco mais rebeldes. Especialmente na infância, a educação e criação que os pais dão às crianças vai ajudá-las a serem adultos melhores, por mais difíceis que sejam quando pequenos.
Mesmo aqueles que fazem birras e mais birras. Algo extremamente irritante para os pais – e para quem está por perto. Mas essa é uma situação tão comum que a única coisa a fazer é tentar lidar da melhor maneira possível, para que a birra não perdure.
E, relaxa, sentir raiva, frustração e até um certo ódio momentâneo é super normal, afinal de contas – também somos humanos. Só tome muito cuidado ao externalizar esses sentimentos, eles podem causar sérios e graves consequências. Apenas respire fundo e se lembre que se trata de uma criança – compreensão acima de tudo!
Os dois anos
Essa fase é apelidada de “adolescência dos bebês”, você pode chamar de “aborrecência” se se sentir mais confortável.
É nesse momento que os pais são surpreendidos por uma criança cheia de vontades e pronta para abrir o bocão berreiro ao ser contrariada.
Além de ser normal, essa é uma fase crucial no desenvolvimento da criança. O aprendizado que ela terá nessa idade ajudará a moldar a forma como ela lida com seus sentimentos na vida adulta. – Olha aí uma das maiores responsabilidades de se criar um filho!
A boa notícia é que existem diversas formas de lidar com esses comportamentos. Os pais vão precisar armar diversas estratégias e ter muita (muita!) paciência.
Por que as crianças fazem birra?
De acordo com Ross Thompson, professor do Departamento de Psicologia da Universidade da Califórnia em Davis e presidente de conselho da organização Zero to Three (dedicada a essa faixa etária – 0 a 3), “é uma fase em que a criança faz descobertas incríveis e ganha uma enorme capacidade de interação, as áreas de autorregulação do cérebro ainda não se desenvolveram.”
E continua dizendo que “O mais importante é os pais entenderem que essa criança é simplesmente incapaz de controlar suas emoções. Esse entendimento os ajudará a vê-la de modo mais construtivo, em vez de achar que ela está desafiando (sua autoridade).
Não adianta achar que ela está sendo malcriada e apenas dizer ‘acalme-se’, porque seu cérebro é incapaz de seguir esse comando. Cabe ao adulto ajudá-la a colocar seus sentimentos em palavras e a gerenciá-los.”
A educadora parental Elisama Santos complementa “A criança começa a perceber que não é uma extensão dos pais, mas sim uma pessoa com vontades. E a esses novos quereres soma-se uma frustração intensa, acompanhada de choros e gritos.”
O controle emocional
A maturação do controle emocional no cérebro continua até os 20 e poucos anos, mas a fase mais crítica dessa “adolescência dos bebês” costuma passar por volta dos 4 anos, que é quando as crianças aumentam seu repertório de conhecimento e conseguem se expressar e entender melhor o mundo.
Até que essa fase acabe é preciso ter muita paciência e compreensão, “se os pais se deixam levar pela raiva e se tornam punitivos, as situações tendem a sair do controle. Se, em vez disso, eles agirem com calma, empatia e oferecerem estratégias para essa criança, ela aprenderá ferramentas para lidar com suas emoções – algo que a ajudará em toda a vida adulta.”, conta Clara Lerner, conselheira parental da Zero to Three.
Sabendo disso, conheça
10 dicas para lidar com isso
1 – Quando a criança bate
Muitas crianças têm tendência a se tornarem agressivas quando são contrariadas. E batem em quem estiver na frente, pais, mães, irmãos, cuidadores, animais… Mas isso acontece porque elas são incapazes de expressar sua frustração em palavras e de se acalmarem por conta própria.
Para Lerner, gritar só piora as coisas, porque a criança não saberá o que fazer com seus sentimentos. Ele ainda sugere que os pais expliquem a situação à criança: “Sei que você está chateada, mas não comemos doce a esta hora do dia. Quando estiver triste, bata neste tambor em vez de bater nas pessoas. Ou morda este brinquedo em vez de morder a mamãe”, por exemplo.
Com a repetição, a criança começará a entender os próprios sentimentos e os recursos para administrá-los.
“Quanto mais você validar o sentimento dela, menor será a necessidade dela de reagir para demonstrá-lo”, explica Lerner.
2 – Calma é tudo
Não é possível controlar como os filhos vão reagir, e birras em público é uma das situações mais desconcertantes que os pais podem passar. Apesar disso, enquanto adultos somos capazes de controlar as nossa própria reação. Manter a calma e o tom de voz ajudam a não elevar a tensão.
Para Elisama Santos, “Isso é bem difícil em uma cultura que culpa os pais quando as crianças estão fazendo birra. Lembre-se de que seu filho não está propositadamente tentando humilhá-lo, ele simplesmente não consegue lidar com a situação. Seu trabalho não é puni-lo, e sim ter empatia, validar suas emoções, guiá-lo e manter a calma. Deixe as pessoas pensarem o que quiserem.”
A psicopedagoga e especialista em neurociência da educação, Debora Corigliano, sugere que “Ajude a criança a expressar em palavras o que ela está sentindo (frustração, raiva, irritação) e ofereça colo e abraço – mesmo que ela evite, dizendo ‘a mamãe está aqui quando você quiser um abraço. E permita que ela chore, garantindo que ela esteja em um espaço seguro, caso ela esteja se debatendo.”
3 – Limites são necessários
Ao contrário do que você deve estar pensando, ter calma não é ceder aos desejos da criança, do contrário ela pensará “se eu fizer birra, conseguirei o que quiser.”
“Se eu ceder, não vou fortalecer o músculo da resiliência nem ensinar a criança a lidar com a frustração, algo essencial para a vida adulta. O caminho não é ser permissivo, é dizer ‘não’ quando necessário e acolher a frustração decorrente desse não.”, reforça Elisama.
Lerner ainda enfatiza, “as crianças estão testando seu poder e suas escolhas. Se o pai não mantém o limite que definiu, o comportamento (de birra) continuará. E é preciso mesmo impor limites no tempo diante da TV ou tablets, ou em crianças que batem, porque certas coisas não são negociáveis.
Se ela não quer botar o cinto de segurança, coloque-o, seja impassível e siga adiante. Ela vai perceber aos poucos que, mesmo que não colabore, o cinto será colocado de qualquer jeito”.
4 – Não é manipulação
Com as crianças muito pequenas, não adianta perguntar “por que você bateu?” nem começar grandes discussões, elas são muito pequenas para entender, a tendência será só aumentar a birra.
“As crianças são provocadoras, vão dizer: ‘te odeio’, vão te bater. Se enxergarmos isso como manipulação – quando são na verdade comportamentos típicos dessa idade -, tenderemos de reagir de forma raivosa.
Em vez de entrar na briga, mantenha a calma, explique o que ela está sentindo e siga com a vida. A lição que você estará ensinando é a de que não vai entrar em uma discussão destrutiva.”, diz Lerner.
5 – Dê chances de escolha à criança
Para as crianças que estão morrendo de vontade de exercer sua recém-descoberta autonomia, Lerner sugere dar escolhas (aceitáveis) às crianças. Dando consequências às escolhas, claro que apropriadas às situações.
“A dica é dar sempre duas escolhas às crianças e estabelecer limites. Por exemplo, no caso dos brinquedos espalhados pelo chão da casa: ‘Você tem duas ótimas escolhas: guardar ou não os brinquedos. Se você guardar, ótimo. Se não guardar, a mamãe ou o papai terá que gastar tempo fazendo isso, então teremos um livro a menos para ler na hora de dormir’.”
6 – Reforço positivo
Segundo Elisama Santos, as crianças dessa idade costumam falar muitos ‘nãos’ como consequência da série de ‘nãos’ que estão acostumadas a ouvir dos pais.
Apesar de estarem tentando proteger os filhos, o reforço positivo é – sempre – muito melhor.
“Não adianta falar que ela não deve pôr a mão na tomada, porque o que ela vai fixar é apenas a tomada. É melhor falar ‘a mãozinha vai no brinquedo’; ‘o desenho é no papel'”, sugere Santos.
7 – Faça das ações cotidianas divertidas
Um método para aliviar a tensão nas tarefas chatas do dia a dia é transformá-las em brincadeiras.
“Se você usar uma voz de robô ou fizer cosquinhas para vestir ou escovar os dentes das crianças, vai levar essa fase com mais leveza e facilidade”, diz Santos.
Lerner ainda afirma que é desnecessário entrar em batalhas desgastantes com as crianças.
“Se não interfere no funcionamento da família e não machuca ninguém, recomendo deixar para lá – por exemplo, se o seu filho decide sair de casa com uma camiseta que não combina com a calça.”
8 – Planeje e evite birras
Identificar os padrões de comportamento da criança é algo extremamente útil e necessário para prevenir crises, por exemplo, mude os horários do banho ou refeições se perceber que é bem na hora em que a criança está começando a ficar com sono.
“E, se você sabe o que causou a birra do dia anterior, também pode tentar impedi-la hoje com conversas. ‘Lembra que ontem foi muito difícil a hora do banho? Vamos tentar hoje sem chorar? A mamãe/o papai vai te ajudar’.”, diz Debora Corgliano.
9 – As palmadas: sim ou não?
Segundo Thompson, a violência – literalmente – gera violência, isso porque a criança só ficará mais agressiva, raivosa, desafiadora e os pais, mais agressivos. E, não só com as agressões físicas, mas as verbais também. “A criança só vai achar que não é amada o suficiente – e é muito ruim passar essa fase da vida achando isso.”
Debora complementa: “Se estou resolvendo uma situação com uma agressão física ou verbal, estou ensinando essa criança de dois anos a agir da mesma maneira. Ela vai usar a mesma estratégia quando estiver em outro contexto (escolar ou familiar).
É muito melhor uma conversa firme, em que os pais deem uma razão simples e fundamentada para o ‘não’ – ‘Agora é hora de dormir, e não de tablet’ -, com um vocabulário objetivo e adequado.”
Elisama Santos acredita que o tapa faz com que as crianças recuem, mas não por terem entendido a situação, mas sim por medo.
O mesmo acontece com as chantagens: “A criança vai fazer pelo doce, mas não vai aprender o valor do comportamento”, adverte Corigliano.
10 – Perdeu o controle? Tem como reverter
Perdeu as estribeiras? Acontece. Mesmo sem querer, os pais são levados pela situação e acabam gritando e perdendo a paciência.
Claire Lerner diz que esse é um ótimo momento para ensinar às crianças a assumirem as responsabilidades por suas ações.
Ela sugere dizer: “A mamãe/o papai perdeu o controle, mas agora eu respirei fundo. Desculpe ter gritado, vamos começar tudo de novo e conversar sobre os brinquedos jogados no chão.”
Ter outro adulto por perto pode ser algo muito benéfico quando se está prestes a perder a paciência. Peça para que a outra pessoa assuma a situação.
“No começo, leva tempo e esforço até que os pais consigam gerenciar suas próprias reações (à birra). Mas a recompensa é enorme: virá na forma de mais autocontrole das crianças, mais cooperação nas tarefas diárias e ciclos de interação mais positivos”, diz Lerner.
“É sempre bom lembrar que as crises de birra são um pedido de socorro deslocado”, agrega Elisama Santos. “É a criança dizendo ‘não sei lidar com isso sozinha’.”
E então, como você costuma enfrentar esse assunto em casa? Você faz o tipo que bate na criança na hora da birra? Comente!
E, falando na criação dos filhos, essa próxima matéria também pode ajudar muito: 6 coisas que você nunca deve dizer ao seu filho pequeno.
Fonte: BBC